Implicações da adição de 5% de biodiesel na qualidade do óleo diesel
O biodiesel possui várias características que o tornam muito atrativo como um substituto natural do diesel de petróleo
O óleo diesel brasileiro nos últimos 5 anos, indiscutivelmente apresentou modificações em sua composição, com relação a adição de biodiesel ao diesel, criando novas condições durante o armazenamento dos tanques dos veículos aos postos de abastecimento. As condições para armazenar a mistura são as mesmas, porém devido as várias peculiaridades do biocombustível e ora do diesel brasileiro, foram percebidos problemas de uma forma dramática, especialmente em 2009.
Segundo FECOMBUSTÌVEIS, postos e TRRs se sentiram confusos e desamparados quando começaram a ter dificuldades inesperadas por causa da formação de borras e entupimentos em seus tanques e filtros, tendo que se organizarem para arcar com maiores custos de manutenção (basicamente trocas mais frequentes de filtros).
Os trabalhos de pesquisa, aqui no Brasil assim como os publicados na literatura internacional, mostram que a adição de biodiesel ao diesel promove um maior incremento de populações microbianas, especialmente quando existe a presença de água livre (Passman, 2005; Bento et al., 2006; Lee et al., 2010; Bucker et al., 2011; Zimmer et al., 2011; Dodos et al., 2011). Segundo a literatura, sob a perspectiva ambiental, a biodegradabilidade no caso de um derrame por exemplo, é uma vantagem, mas passa a ser um problema para quem armazena o combustível (Passman, 2005). Todo o conhecimento de como lidar com esta nova mistura são vulnerabilidades que AINDA estão sendo contornadas, com muita informação através de trabalhos básicos e aplicados de pesquisa e com ampla divulgação à comunidade usuária.
O biodiesel possui várias características que o tornam muito atrativo como um substituto natural do diesel de petróleo, tais como a biodegradabilidade, não é tóxico, não é inflamável, além de durante a combustão, reduzir a liberação de hidrocarbonetos, monóxido de carbono, dióxido de enxofre, hidrocarbonetos poliaromáticos e material particulado. Porém, o biodiesel brasileiro (cerca de 80% é produzido a partir de óleo de soja) é mais instável quimicamente do que o biodiesel produzido por exemplo na Europa, a partir de canola. Isto significa dizer que o biodiesel puro no Brasil, tem a probabilidade de se degradar naturalmente (quando exposto a ação da umidade e do oxigênio do ar) muito maior do que o biodiesel alemão, por exemplo (Cavalcanti, 2009).
O biodiesel dependendo de sua origem (vegetal ou gordura animal) apresenta caracteristicas distintas em termos de composição química e que podem se traduzir em diferentes estabilidades, nucleando a geração de sedimentos de natureza química diversa (gomas, monoglicerídeos, esterol-glicosídeos, compostos inorgânicos, ácidos orgânicos e inorgânicos). Outros aspectos como a higroscopicidade (capacidade de atrair água) e poder de solvência (detergente) do biodiesel, também precisam ser considerados durante o armazenamento.
A biodegradabilidade do biodiesel deve-se a presença de moléculas (ésteres de ácidos graxos), que são facilmente reconhecidas pelos microrganismos, ou seja, é mais fácil em geral degradar o biodiesel do que o diesel. As possibilidades de encontrarmos água na fase óleo aumentou devido a presença de biodiesel , considerando as misturas diesel e biodiesel (Veja aqui a Figura 1). Como consequência direta e visível, maior biomassa é formada especialmente na interface óleo-água e dependendo da movimentação do combustível armazenado, parte desta biomassa se desagrega e se mistura ao combustível como um todo. Além deste fato, o poder de solvência do biodiesel contido na mistura, também colabora com o desprendimento de material biológico aderido (biofilme), muitas vezes formado ao longo de anos, ás paredes dos tanques e tubulações, acarretando no aumento de sólidos suspensos no combustível. Uma constatação imediata deste evento é percebida por uma saturação prematura, seja de elementos filtrantes do sistema prensa ou nos próprios veículos e em nível preocupante, o entupimento e desgastes de bicos injetores.
Tivemos dificuldades pontuais e naturais de um programa novo (Programa Brasileiro de Biodiesel) com muitos desafios, dada as nossas dimensões continentais e que também, foram dificuldades enfrentadas por países mais avançados, como a Alemanha e França (Cavalcanti, 2009). No entanto, o apelo por combustíveis renováveis e menos poluentes continuam sendo motivo de pesquisa e desenvolvimento no mundo inteiro.
Especificações do óleo diesel brasileiro:
Outro cenário a ser considerado é que encontramos óleo diesel hoje no Brasil, com diferentes especificações no tocante á diferentes percentuais de enxofre (1800, 500, 50 ppm, e logo 10 ppm) comercializados ainda, em todo território nacional. Enfatizando que o óleo diesel, independentemente do seu teor de enxofre, tem estabilidade e teor de água potencialmente afetados após a mistura com biodiesel, valendo a recomendação de um mês para circulação do produto. Porém, segundo a ANP não existe um "prazo de validade" para o óleo diesel, independentemente do teor de enxofre, visto que o atendimento às boas práticas de manuseio e armazenamento possibilitam o prolongamento da vida útil deste produto.
A partir de 1º de janeiro de 2014, os óleos diesel A (sem biodiesel) S-1800 e B (com biodiesel) S-1800 deixarão de ser comercializados como óleos diesel de uso rodoviário. E neste sentido, o óleo diesel S-500 também vem substituindo o S-1800 (antigo óleo diesel interior), que deverá ser completamente eliminado do segmento rodoviário até o final de 2013. Enquanto isso, na prática novas formulações (misturas possíveis com óleo diesel com diferentes teores de enxofre) estão no mercado e encontraram muitas vezes os sistemas de armazenamento antigos, alguns sem rotinas rígidas de manutenção, tais como, a simples drenagem periódica da água que se forma no lastro dos tanques. A orientação da ANP, com relação a responsabilidade pela limpeza e adaptação dos tanques para estocagem de diesel S-50, indica que proprietários ou detentores de posse de bombas abastecedoras e tanques de armazenamento de óleo diesel, disponibilizem condições operacionais para que revendedores possam comercializar o óleo diesel de baixo teor de enxofre a partir de 1º de janeiro de 2012.
Muitos postos de combustíveis, estão adaptando-se as novas exigências ambientais também, substituindo tanques antigos (de até 30 anos) por novos, de paredes duplas, por exemplo. E em alguns casos, quando os tanques antigos estavam com problemas de corrosão tanto interna quanto externa, programas de remediação das áreas de estocagem subterrânea estão em andamento.No entanto, sabe-se do custo total envolvido para o proprietário, especialmente para estas novas adequações, quando trata-se de postos em áreas de baixa rotatividade.
A redução dos níveis de enxofre nos combustíveis é uma tendência em países de primeiro mundo (Europa- diesel tem máximo de 7 ppm e Estados Unidos máximo de 15 ppm, desde 2006) embora, o limite de 50 ppm tem sido adotado em várias partes do mundo. A grande vantagem do ponto de vista ambiental desta exigência em nível mundial é a redução de gases tóxicos e material particulado que deixaram de ser liberados no ambiente com a melhoria da qualidade do ar. No entanto, algumas mudanças nas propriedades do diesel são esperadas como: redução da lubricidade, densidade, redução da condutividade elétrica do diesel, redução de compostos anti-oxidantes que ajudam a prevenir a formação de gomas, redução de compostos anti-corrosivos e a redução do ponto de entupimento. Aditivos para recuperar estas propriedades terão que ser adicionados.
Neste sentido, estas novas especificações representam um desafio operacional e econômico (baixo enxofre terá maior custo de produção e distribuição) para a indústria de petróleo. A atual adição do biodiesel á mistura, tem sido vista como um componente com potencial de melhorar a lubricidade. A introdução de óleo diesel com ultra baixo teor de enxofre (máximo de 10 ppm), vai ser percebida por uma comunidade usuária mais atenta, especialmente pelo nosso histórico, pois em 5 anos enfrentamos várias mudanças nas especificações do combustível diesel.
Possíveis implicações durante o armazenamento:
É importante deixar claro, que a geração de resíduos (tanto de natureza biológica ou química) durante o armazenamento e ao longo da cadeia sempre foi dependente de vários fatores.
Origem do combustível: A qualidade final do combustível inicialmente é dependente da natureza do petróleo processado (por exemplo, local de origem), processos durante o refino (hidrotratamento) e principalmente as condições de estocagem. Desta forma, a tendência em formar sedimentos de origem química esta fortemente ligada a estes condicionantes. Do ponto de vista químico, uma das conseqüências da redução de compostos sulfurados na corrente diesel, é a maior suscetibilidade a formação de gomas, uma vez que os antioxidantes naturais, (compostos com enxofre) foram retirados. A adição do biodiesel á mistura, agrega novas características como a higroscopicidade, poder de solvência e tendência natural á oxidação gerando particulados de natureza orgânica e inorgânica.
Presença de água: Do ponto de vista biológico, a presença de água no sistema assim como o biodiesel, propicia condições ideais para o crescimento de populações microbianas. A entrada de água pode ocorrer de diferentes maneiras, carreada pelo combustível, pela condensação do ar nas paredes, pelo metabolismo microbiano, entrada pelos respiros, durante a lavagem dos tanques ou ainda pode ser colocada intencionalmente, como lastro. Nesta água, são carreados sais inorgânicos, que funcionam como suporte de micronutrientes. Apesar de esporos de fungos e bactérias permanecerem viáveis no combustível, eles apenas crescem e se reproduzem na presença de água. E neste sentido, apenas 100 ppm de água são suficientes para a proliferação de microrganismos enquanto 5 a 80 ppm de água são suficientes para a sobrevivência dos esporos (SIEGERT, 2009). Neste sentido, a Resolução Brasileira da ANP Nº 14/2012, que ora regula a qualidade de biodiesel no Brasil estabelece que o biodiesel produzido tem um prazo máximo de um mês, a contar da data de certificação, para ser comercializado. Para a liberação do produto devem ser realizadas análises da massa específica a 20 ºC, o teor de água, o índice de acidez e a estabilidade à oxidação a 110 ºC. Com relação ao teor de água máximo aceitável no biodiesel, podemos dizer que estamos num processo de transição rumo aos 200 ppm a partir de 1º de janeiro de 2014. Atualmente é admitido o limite de 380 mg/kg. A partir de 1º de janeiro de 2013 até 31 de dezembro de 2013 será admitido o limite máximo de 350 mg/kg e a partir de 1º de janeiro de 2014, o limite máximo será de 200 mg/kg (www.anp.gov.br).
Combustível como veículo de contaminação: O combustível assim que é processado, é estéril devido às altas temperaturas durante o processo de destilação fracionada utilizado. Porém, assim que o combustível é estocado começa, naturalmente o processo de contaminação por microrganismos presentes no ambiente, em nível normal, aceitável. Os microrganismos entram em contato com o combustível principalmente através da poeira, água e ar contaminados. Uma vez armazenado em tanques com contaminação química e principalmente microbiológica, o combustível passa a ser um dos principais veículos da contaminação microbiana. Ao circular ao longo da cadeia de distribuição (da refinaria ou da usina até o consumidor final) pode se contaminar e rastrear microrganismos, e ao encontrar condições favoráveis ao seu crescimento e tempo de residência suficiente, produzirá a biomassa deteriogênica tão indesejada.
Diagnóstico e Monitoramento: O diagnóstico de um tanque (aéreos ou subterrâneos) com contaminação microbiana, é dado a partir da inspeção e constatação de uma fase livre de água no fundo do tanque (Veja aqui a Figura 1). Os tanques contaminados normalmente apresentam três fases distintas, a fase aquosa, oleosa e a biomassa presente na interface óleo-água, que devem ser monitoradas separadamente. Embora o número de bactérias viáveis e fungos relatados na fase combustível, sejam muitas ordens menores do que aquelas reportadas para a fase água, microrganismos nesta fase, são indicadores importantes para se avaliar o nível da contaminação já instalada. O conhecimento sobre a suscetibilidade á contaminação microbiana em óleo diesel estocado já é de domínio público. Reconhecidas Instituições ligadas ao mercado de combustível, tais como a International Air Transport Association (IATA) do Instituto do Petróleo (IP) no Reino Unido e da ASTM nos EUA, estabeleceram metodologias e valores para se chegar ao diagnóstico de uma condição ACEITÁVEL e de ALERTA de contaminação microbiana em combustíveis. Apesar da interface óleo- água ser um indicativo de tanque contaminado, a fase aquosa e oleosa precisam ser monitoradas. Os microrganismos, tais como bactérias e esporos de fungos podem ser encontrados também na fase oleosa e na aquosa. Alguns ppms de água na fase oleosa, é capaz de manter esporos de fungos por meses, e ao encontrarem a fase livre de água nos tanques, o crescimento começa e pode produzir material como o mostrado na Figura 2 (clique aqui). Para o conhecimento sobre o grau de contaminação microbiana em combustíveis é indicado o uso da Norma ASTM- D 6974 – 09 Standard Practice for Enumeration of Viable Bacteria and Fungi in Liquid Fuels — Filtration and Culture Procedures.
Como enfrentar e controlar a contaminação microbiana:
Métodos Físicos: A eliminação da água é uma medida simples e sem custo, sendo uma forma estratégica e efetiva de evitar o crescimento microbiano. Rotinas rígidas de manutenção tais como a drenagem frequente e se possível limpeza dos tanques, podem garantir uma boa descontaminação do sistema, especialmente quando associada a procedimento de filtração e centrifugação do combustível. Apesar disto, a drenagem dos tanques muitas vezes é dificultada devido ao formato do tanque e inclinação.
Métodos químicos: A preservação do combustível pode ser realizada mediante aplicação de compostos químicos (formulados como aditivos ou não) que impedem e controlam o desenvolvimento de populações microbianas deteriogênicas. Eles são utilizados para controle da contaminação microbiana em combustíveis desde os anos 60, sendo empregados mais amplamente em combustíveis de aviação. Os antimicrobianos compreendem produtos com largo espectro de componentes de estruturas químicas diversas (compostos inorgânicos e orgânicos). Com relação ao procedimento de aplicação pode-se citar o tratamento contínuo (mais freqüente, com concentrações baixas) e o tratamento de choque (com concentrações altas) pouco frequente, aplicados a intervalos pré-determinados. As exigências de um antimicrobiano para o uso durante o armazenamento de combustíveis incluem: amplo espectro de ação (atividade contra fungos, bactérias aeróbias e anaeróbias); capacidade de manter o seu efeito inibidor em presença de outras substâncias no meio em condições de operação semelhantes; não ser corrosivo ao sistema; apresentar propriedades de biodegradabilidade e de baixo custo. Alguns são solúveis em água, outros são solúveis em óleo e outros podem ser solúveis em ambas fases.
Em todo o mundo muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas para se encontrar um antimicrobiano que contemple todas as exigências acima na preservação dos diferentes tipos de combustíveis. No Brasil, a utilização de agentes químicos no controle da contaminação microbiana em tanques de estocagem de combustíveis ainda se constitui em uma alternativa pouca conhecida e com muitas dúvidas a serem esclarecidas para o setor do petróleo. Dentre elas, qual o biocida indicado, quais as concentrações a serem utilizadas, qual a fase a se tratar (fase oleosa, interface ou a fase aquosa), qual o tempo de preservação do combustível pelo biocida, como realizar o descarte da fase aquosa dos tanques de óleo diesel com biodiesel tratado com biocida. Por se tratar de um produto biocida é preciso que esteja licenciado junto ao órgão ambiental competente pela indústria produtora.
Uma das maiores preocupações de quem armazena o combustível esta em manter a qualidade final do produto. Se a adição de um preservante químico traz esta garantia, outra preocupação do setor tem sido como liberar um combustível tratado com biocida no ambiente de forma segura. A orientação dos produtores para tratamento da água de lastro do tanque, é a de se diluir em água e em alguns casos realizar a desativação adicionando-se outros compostos (sais inorgânicos). Algumas empresas garantem que se o biocida é corretamente utilizado, juntamente com o combustível ele deveria ser transformado em produtos de combustão pelo motor.
Em informativo eletrônico, liberado pela ANP (17-02-2012), é relatado que entre várias sugestões enviadas á Audiência Pública sobre a revisão da Resolução ANP n° 7/2008 (Especificação do Biodiesel), a adoção de biocidas, biodegradáveis e menos tóxicos, para combater a contaminação por microorganismos deverá ser objeto de trabalho e consulta à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Considerações Finais:
Já esta sendo considerada dentro do cenário brasileiro a participação microbiana, como um dos contaminantes potenciais de sistemas de armazenamento. Desta forma, tanto a participação microbiana como suas formas de controle mais eficazes, possivelmente serão introduzidas no conjunto de exigências futuras da Resolução Normativa Nº 14/2012 da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Destaca-se o potencial de adoção de produtos preservantes, uma vez superadas as limitações de descarte que ainda interferem na adoção dessa medida mitigadora dos processos de contaminação microbiana. A adoção de rotinas rígidas de manutenção fazem parte da conscientização da importância de medidas preventivas ou simplesmente as BOAS PRÁTICAS, que irão a longo prazo refletir o processo de amadurecimento que devemos alcançar para um combustível de qualidade ao longo de toda a cadeia produtiva, distribuição e armazenamento.
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* Fátima Menezes Bento. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com experiência em Microbiologia do Petróleo, atuando em temas como a biodeterioração, biodegradação e biorremediação de combustíveis e biocombustíveis; biossurfactantes, Biocidas e resíduos petroquímicos. Atualmente faz parte da Rede de Estudos e Projetos sobre Armazenamento de Biodiesel da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel. fatimabento@ufrgs.br
* Eduardo Homem de Siqueira Cavalcanti. Pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia, com experiência em corrosão e degradação de biocombustíveis e Coordenador da Rede de Estudos e Projetos sobre Armazenamento de Biodiesel da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel. eduardo.cavalcanti@int.gov.br
Fonte: Fetronor
O óleo diesel brasileiro nos últimos 5 anos, indiscutivelmente apresentou modificações em sua composição, com relação a adição de biodiesel ao diesel, criando novas condições durante o armazenamento dos tanques dos veículos aos postos de abastecimento. As condições para armazenar a mistura são as mesmas, porém devido as várias peculiaridades do biocombustível e ora do diesel brasileiro, foram percebidos problemas de uma forma dramática, especialmente em 2009.
Segundo FECOMBUSTÌVEIS, postos e TRRs se sentiram confusos e desamparados quando começaram a ter dificuldades inesperadas por causa da formação de borras e entupimentos em seus tanques e filtros, tendo que se organizarem para arcar com maiores custos de manutenção (basicamente trocas mais frequentes de filtros).
Os trabalhos de pesquisa, aqui no Brasil assim como os publicados na literatura internacional, mostram que a adição de biodiesel ao diesel promove um maior incremento de populações microbianas, especialmente quando existe a presença de água livre (Passman, 2005; Bento et al., 2006; Lee et al., 2010; Bucker et al., 2011; Zimmer et al., 2011; Dodos et al., 2011). Segundo a literatura, sob a perspectiva ambiental, a biodegradabilidade no caso de um derrame por exemplo, é uma vantagem, mas passa a ser um problema para quem armazena o combustível (Passman, 2005). Todo o conhecimento de como lidar com esta nova mistura são vulnerabilidades que AINDA estão sendo contornadas, com muita informação através de trabalhos básicos e aplicados de pesquisa e com ampla divulgação à comunidade usuária.
O biodiesel possui várias características que o tornam muito atrativo como um substituto natural do diesel de petróleo, tais como a biodegradabilidade, não é tóxico, não é inflamável, além de durante a combustão, reduzir a liberação de hidrocarbonetos, monóxido de carbono, dióxido de enxofre, hidrocarbonetos poliaromáticos e material particulado. Porém, o biodiesel brasileiro (cerca de 80% é produzido a partir de óleo de soja) é mais instável quimicamente do que o biodiesel produzido por exemplo na Europa, a partir de canola. Isto significa dizer que o biodiesel puro no Brasil, tem a probabilidade de se degradar naturalmente (quando exposto a ação da umidade e do oxigênio do ar) muito maior do que o biodiesel alemão, por exemplo (Cavalcanti, 2009).
O biodiesel dependendo de sua origem (vegetal ou gordura animal) apresenta caracteristicas distintas em termos de composição química e que podem se traduzir em diferentes estabilidades, nucleando a geração de sedimentos de natureza química diversa (gomas, monoglicerídeos, esterol-glicosídeos, compostos inorgânicos, ácidos orgânicos e inorgânicos). Outros aspectos como a higroscopicidade (capacidade de atrair água) e poder de solvência (detergente) do biodiesel, também precisam ser considerados durante o armazenamento.
A biodegradabilidade do biodiesel deve-se a presença de moléculas (ésteres de ácidos graxos), que são facilmente reconhecidas pelos microrganismos, ou seja, é mais fácil em geral degradar o biodiesel do que o diesel. As possibilidades de encontrarmos água na fase óleo aumentou devido a presença de biodiesel , considerando as misturas diesel e biodiesel (Veja aqui a Figura 1). Como consequência direta e visível, maior biomassa é formada especialmente na interface óleo-água e dependendo da movimentação do combustível armazenado, parte desta biomassa se desagrega e se mistura ao combustível como um todo. Além deste fato, o poder de solvência do biodiesel contido na mistura, também colabora com o desprendimento de material biológico aderido (biofilme), muitas vezes formado ao longo de anos, ás paredes dos tanques e tubulações, acarretando no aumento de sólidos suspensos no combustível. Uma constatação imediata deste evento é percebida por uma saturação prematura, seja de elementos filtrantes do sistema prensa ou nos próprios veículos e em nível preocupante, o entupimento e desgastes de bicos injetores.
Tivemos dificuldades pontuais e naturais de um programa novo (Programa Brasileiro de Biodiesel) com muitos desafios, dada as nossas dimensões continentais e que também, foram dificuldades enfrentadas por países mais avançados, como a Alemanha e França (Cavalcanti, 2009). No entanto, o apelo por combustíveis renováveis e menos poluentes continuam sendo motivo de pesquisa e desenvolvimento no mundo inteiro.
Especificações do óleo diesel brasileiro:
Outro cenário a ser considerado é que encontramos óleo diesel hoje no Brasil, com diferentes especificações no tocante á diferentes percentuais de enxofre (1800, 500, 50 ppm, e logo 10 ppm) comercializados ainda, em todo território nacional. Enfatizando que o óleo diesel, independentemente do seu teor de enxofre, tem estabilidade e teor de água potencialmente afetados após a mistura com biodiesel, valendo a recomendação de um mês para circulação do produto. Porém, segundo a ANP não existe um "prazo de validade" para o óleo diesel, independentemente do teor de enxofre, visto que o atendimento às boas práticas de manuseio e armazenamento possibilitam o prolongamento da vida útil deste produto.
A partir de 1º de janeiro de 2014, os óleos diesel A (sem biodiesel) S-1800 e B (com biodiesel) S-1800 deixarão de ser comercializados como óleos diesel de uso rodoviário. E neste sentido, o óleo diesel S-500 também vem substituindo o S-1800 (antigo óleo diesel interior), que deverá ser completamente eliminado do segmento rodoviário até o final de 2013. Enquanto isso, na prática novas formulações (misturas possíveis com óleo diesel com diferentes teores de enxofre) estão no mercado e encontraram muitas vezes os sistemas de armazenamento antigos, alguns sem rotinas rígidas de manutenção, tais como, a simples drenagem periódica da água que se forma no lastro dos tanques. A orientação da ANP, com relação a responsabilidade pela limpeza e adaptação dos tanques para estocagem de diesel S-50, indica que proprietários ou detentores de posse de bombas abastecedoras e tanques de armazenamento de óleo diesel, disponibilizem condições operacionais para que revendedores possam comercializar o óleo diesel de baixo teor de enxofre a partir de 1º de janeiro de 2012.
Muitos postos de combustíveis, estão adaptando-se as novas exigências ambientais também, substituindo tanques antigos (de até 30 anos) por novos, de paredes duplas, por exemplo. E em alguns casos, quando os tanques antigos estavam com problemas de corrosão tanto interna quanto externa, programas de remediação das áreas de estocagem subterrânea estão em andamento.No entanto, sabe-se do custo total envolvido para o proprietário, especialmente para estas novas adequações, quando trata-se de postos em áreas de baixa rotatividade.
A redução dos níveis de enxofre nos combustíveis é uma tendência em países de primeiro mundo (Europa- diesel tem máximo de 7 ppm e Estados Unidos máximo de 15 ppm, desde 2006) embora, o limite de 50 ppm tem sido adotado em várias partes do mundo. A grande vantagem do ponto de vista ambiental desta exigência em nível mundial é a redução de gases tóxicos e material particulado que deixaram de ser liberados no ambiente com a melhoria da qualidade do ar. No entanto, algumas mudanças nas propriedades do diesel são esperadas como: redução da lubricidade, densidade, redução da condutividade elétrica do diesel, redução de compostos anti-oxidantes que ajudam a prevenir a formação de gomas, redução de compostos anti-corrosivos e a redução do ponto de entupimento. Aditivos para recuperar estas propriedades terão que ser adicionados.
Neste sentido, estas novas especificações representam um desafio operacional e econômico (baixo enxofre terá maior custo de produção e distribuição) para a indústria de petróleo. A atual adição do biodiesel á mistura, tem sido vista como um componente com potencial de melhorar a lubricidade. A introdução de óleo diesel com ultra baixo teor de enxofre (máximo de 10 ppm), vai ser percebida por uma comunidade usuária mais atenta, especialmente pelo nosso histórico, pois em 5 anos enfrentamos várias mudanças nas especificações do combustível diesel.
Possíveis implicações durante o armazenamento:
É importante deixar claro, que a geração de resíduos (tanto de natureza biológica ou química) durante o armazenamento e ao longo da cadeia sempre foi dependente de vários fatores.
Origem do combustível: A qualidade final do combustível inicialmente é dependente da natureza do petróleo processado (por exemplo, local de origem), processos durante o refino (hidrotratamento) e principalmente as condições de estocagem. Desta forma, a tendência em formar sedimentos de origem química esta fortemente ligada a estes condicionantes. Do ponto de vista químico, uma das conseqüências da redução de compostos sulfurados na corrente diesel, é a maior suscetibilidade a formação de gomas, uma vez que os antioxidantes naturais, (compostos com enxofre) foram retirados. A adição do biodiesel á mistura, agrega novas características como a higroscopicidade, poder de solvência e tendência natural á oxidação gerando particulados de natureza orgânica e inorgânica.
Presença de água: Do ponto de vista biológico, a presença de água no sistema assim como o biodiesel, propicia condições ideais para o crescimento de populações microbianas. A entrada de água pode ocorrer de diferentes maneiras, carreada pelo combustível, pela condensação do ar nas paredes, pelo metabolismo microbiano, entrada pelos respiros, durante a lavagem dos tanques ou ainda pode ser colocada intencionalmente, como lastro. Nesta água, são carreados sais inorgânicos, que funcionam como suporte de micronutrientes. Apesar de esporos de fungos e bactérias permanecerem viáveis no combustível, eles apenas crescem e se reproduzem na presença de água. E neste sentido, apenas 100 ppm de água são suficientes para a proliferação de microrganismos enquanto 5 a 80 ppm de água são suficientes para a sobrevivência dos esporos (SIEGERT, 2009). Neste sentido, a Resolução Brasileira da ANP Nº 14/2012, que ora regula a qualidade de biodiesel no Brasil estabelece que o biodiesel produzido tem um prazo máximo de um mês, a contar da data de certificação, para ser comercializado. Para a liberação do produto devem ser realizadas análises da massa específica a 20 ºC, o teor de água, o índice de acidez e a estabilidade à oxidação a 110 ºC. Com relação ao teor de água máximo aceitável no biodiesel, podemos dizer que estamos num processo de transição rumo aos 200 ppm a partir de 1º de janeiro de 2014. Atualmente é admitido o limite de 380 mg/kg. A partir de 1º de janeiro de 2013 até 31 de dezembro de 2013 será admitido o limite máximo de 350 mg/kg e a partir de 1º de janeiro de 2014, o limite máximo será de 200 mg/kg (www.anp.gov.br).
Combustível como veículo de contaminação: O combustível assim que é processado, é estéril devido às altas temperaturas durante o processo de destilação fracionada utilizado. Porém, assim que o combustível é estocado começa, naturalmente o processo de contaminação por microrganismos presentes no ambiente, em nível normal, aceitável. Os microrganismos entram em contato com o combustível principalmente através da poeira, água e ar contaminados. Uma vez armazenado em tanques com contaminação química e principalmente microbiológica, o combustível passa a ser um dos principais veículos da contaminação microbiana. Ao circular ao longo da cadeia de distribuição (da refinaria ou da usina até o consumidor final) pode se contaminar e rastrear microrganismos, e ao encontrar condições favoráveis ao seu crescimento e tempo de residência suficiente, produzirá a biomassa deteriogênica tão indesejada.
Diagnóstico e Monitoramento: O diagnóstico de um tanque (aéreos ou subterrâneos) com contaminação microbiana, é dado a partir da inspeção e constatação de uma fase livre de água no fundo do tanque (Veja aqui a Figura 1). Os tanques contaminados normalmente apresentam três fases distintas, a fase aquosa, oleosa e a biomassa presente na interface óleo-água, que devem ser monitoradas separadamente. Embora o número de bactérias viáveis e fungos relatados na fase combustível, sejam muitas ordens menores do que aquelas reportadas para a fase água, microrganismos nesta fase, são indicadores importantes para se avaliar o nível da contaminação já instalada. O conhecimento sobre a suscetibilidade á contaminação microbiana em óleo diesel estocado já é de domínio público. Reconhecidas Instituições ligadas ao mercado de combustível, tais como a International Air Transport Association (IATA) do Instituto do Petróleo (IP) no Reino Unido e da ASTM nos EUA, estabeleceram metodologias e valores para se chegar ao diagnóstico de uma condição ACEITÁVEL e de ALERTA de contaminação microbiana em combustíveis. Apesar da interface óleo- água ser um indicativo de tanque contaminado, a fase aquosa e oleosa precisam ser monitoradas. Os microrganismos, tais como bactérias e esporos de fungos podem ser encontrados também na fase oleosa e na aquosa. Alguns ppms de água na fase oleosa, é capaz de manter esporos de fungos por meses, e ao encontrarem a fase livre de água nos tanques, o crescimento começa e pode produzir material como o mostrado na Figura 2 (clique aqui). Para o conhecimento sobre o grau de contaminação microbiana em combustíveis é indicado o uso da Norma ASTM- D 6974 – 09 Standard Practice for Enumeration of Viable Bacteria and Fungi in Liquid Fuels — Filtration and Culture Procedures.
Como enfrentar e controlar a contaminação microbiana:
Métodos Físicos: A eliminação da água é uma medida simples e sem custo, sendo uma forma estratégica e efetiva de evitar o crescimento microbiano. Rotinas rígidas de manutenção tais como a drenagem frequente e se possível limpeza dos tanques, podem garantir uma boa descontaminação do sistema, especialmente quando associada a procedimento de filtração e centrifugação do combustível. Apesar disto, a drenagem dos tanques muitas vezes é dificultada devido ao formato do tanque e inclinação.
Métodos químicos: A preservação do combustível pode ser realizada mediante aplicação de compostos químicos (formulados como aditivos ou não) que impedem e controlam o desenvolvimento de populações microbianas deteriogênicas. Eles são utilizados para controle da contaminação microbiana em combustíveis desde os anos 60, sendo empregados mais amplamente em combustíveis de aviação. Os antimicrobianos compreendem produtos com largo espectro de componentes de estruturas químicas diversas (compostos inorgânicos e orgânicos). Com relação ao procedimento de aplicação pode-se citar o tratamento contínuo (mais freqüente, com concentrações baixas) e o tratamento de choque (com concentrações altas) pouco frequente, aplicados a intervalos pré-determinados. As exigências de um antimicrobiano para o uso durante o armazenamento de combustíveis incluem: amplo espectro de ação (atividade contra fungos, bactérias aeróbias e anaeróbias); capacidade de manter o seu efeito inibidor em presença de outras substâncias no meio em condições de operação semelhantes; não ser corrosivo ao sistema; apresentar propriedades de biodegradabilidade e de baixo custo. Alguns são solúveis em água, outros são solúveis em óleo e outros podem ser solúveis em ambas fases.
Em todo o mundo muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas para se encontrar um antimicrobiano que contemple todas as exigências acima na preservação dos diferentes tipos de combustíveis. No Brasil, a utilização de agentes químicos no controle da contaminação microbiana em tanques de estocagem de combustíveis ainda se constitui em uma alternativa pouca conhecida e com muitas dúvidas a serem esclarecidas para o setor do petróleo. Dentre elas, qual o biocida indicado, quais as concentrações a serem utilizadas, qual a fase a se tratar (fase oleosa, interface ou a fase aquosa), qual o tempo de preservação do combustível pelo biocida, como realizar o descarte da fase aquosa dos tanques de óleo diesel com biodiesel tratado com biocida. Por se tratar de um produto biocida é preciso que esteja licenciado junto ao órgão ambiental competente pela indústria produtora.
Uma das maiores preocupações de quem armazena o combustível esta em manter a qualidade final do produto. Se a adição de um preservante químico traz esta garantia, outra preocupação do setor tem sido como liberar um combustível tratado com biocida no ambiente de forma segura. A orientação dos produtores para tratamento da água de lastro do tanque, é a de se diluir em água e em alguns casos realizar a desativação adicionando-se outros compostos (sais inorgânicos). Algumas empresas garantem que se o biocida é corretamente utilizado, juntamente com o combustível ele deveria ser transformado em produtos de combustão pelo motor.
Em informativo eletrônico, liberado pela ANP (17-02-2012), é relatado que entre várias sugestões enviadas á Audiência Pública sobre a revisão da Resolução ANP n° 7/2008 (Especificação do Biodiesel), a adoção de biocidas, biodegradáveis e menos tóxicos, para combater a contaminação por microorganismos deverá ser objeto de trabalho e consulta à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Considerações Finais:
Já esta sendo considerada dentro do cenário brasileiro a participação microbiana, como um dos contaminantes potenciais de sistemas de armazenamento. Desta forma, tanto a participação microbiana como suas formas de controle mais eficazes, possivelmente serão introduzidas no conjunto de exigências futuras da Resolução Normativa Nº 14/2012 da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Destaca-se o potencial de adoção de produtos preservantes, uma vez superadas as limitações de descarte que ainda interferem na adoção dessa medida mitigadora dos processos de contaminação microbiana. A adoção de rotinas rígidas de manutenção fazem parte da conscientização da importância de medidas preventivas ou simplesmente as BOAS PRÁTICAS, que irão a longo prazo refletir o processo de amadurecimento que devemos alcançar para um combustível de qualidade ao longo de toda a cadeia produtiva, distribuição e armazenamento.
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* Fátima Menezes Bento. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com experiência em Microbiologia do Petróleo, atuando em temas como a biodeterioração, biodegradação e biorremediação de combustíveis e biocombustíveis; biossurfactantes, Biocidas e resíduos petroquímicos. Atualmente faz parte da Rede de Estudos e Projetos sobre Armazenamento de Biodiesel da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel. fatimabento@ufrgs.br
* Eduardo Homem de Siqueira Cavalcanti. Pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia, com experiência em corrosão e degradação de biocombustíveis e Coordenador da Rede de Estudos e Projetos sobre Armazenamento de Biodiesel da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel. eduardo.cavalcanti@int.gov.br
Fonte: Fetronor
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