"É preciso diminuir o espaço para carros particulares"
Carlos Batinga foi um dos responsáveis pelo primeiro planejamento de trânsito e mobilidade em Natal, ainda na década de 80. Hoje, ex-deputado pela Paraíba e consultor na área de mobilidade do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Natal (Seturn), Batinga acredita que a falta de planejamento tem levado Natal a uma sucessiva piora da qualidade de vida de seus cidadãos. Para resolver os problemas de mobilidade, o consultor acredita que a solução é restringir o espaço para o automóvel particular. "Você simplesmente diminui o espaço para os veículos particulares. Em todos os lugares do mundo é feito sem abrir novos espaços, mas diminuindo o espaço dos carros. Não há porque fazer cirurgias viárias. É preciso dar prioridade inclusive na quantidade de espaço na via pública para o transporte público", aponta Carlos Batinga.
O senhor coordenou a primeira equipe que fez um plano de mobilidade em Natal. De lá pra cá, o trânsito e a mobilidade pioraram. Por que isso aconteceu, na sua opinião?
Se você observar Natal de 2000 a 2010, a população cresceu pouco mais de 10%. O que dá cerca de 1% ao ano. A frota de veículos em contrapartida cresceu mais de 60%. Ou seja, uma média de 6% ao ano. Só que de carros foi 54% e de motos chegou perto de 400%. Então, isso torna a situação difícil. Não tem como caber.
Eu fiz um cálculo em Salvador e pode ser feito em Natal. A população cresceu 8%. O número de passageiros pagantes cresceu 10%. A frota total de carros cresceu 100% e de motos 395%. Em Maceió, aconteceu algo semelhante. E podemos trazer esse exemplo para Natal.
Agora, voltando para a realidade potiguar, o que se fez em Natal neste mesmo período em termos de planejamento e obras? Quase nada. Então, não tem como dar certo, não tem como caber. E olha que Natal tem um dado a favor. Se você for dividir o número de pessoas pelo de automóveis, o resultado dá em torno de 0,36 veículos por pessoa. Como a economia está crescendo e a venda de carros é o que puxa em grande parte isso, esse número ainda é muito baixo. Em Curitiba, o mesmo índice é 0,40. Ou seja, há muito espaço para piorar. Há muito espaço para piorar.
A venda de carros ainda é uma prioridade para o país.
A indústria automobilística é muito importante para o Brasil e está em expansão. Queira ou não queira, cerca de 24% do PIB brasileiro vem desta indústria. Se ela parar ou diminuir o ritmo, como é que fica? Trata-se de um emaranhado grande.
As pessoas podem passar a usar o carro só no fim de semana?
Sim, mas no meio da semana as pessoas irão trabalhar como? Tem que investir em transporte coletivo. O PAC Copa do Mundo colocou R$ 12 bilhões e só para Natal R$ 400 milhões em mobilidade. Quanto deste dinheiro foi efetivamente utilizado? Zero. Desde 2009 está para ser feito. Esta é a questão. O problema é planejamento, é ter projeto. Eu só faço isso se eu tiver gestão. Eu só tenho gestão se eu tiver equipe capacitada. Então, tem que começar daqui, da capacitação das equipes. Falta muito para chegarmos à estaca zero.
O que é certo é que não se resolve midiaticamente. Não se resolve indo para um palanque e dizendo: vou fazer isso, vou fazer aquilo. Não adianta dizer que vai fazer um corredor de ônibus se não souber: quem vai passar por lá, quem vai controlar, quem vai fiscalizar. E ainda tivemos recentemente uma decisão muito boa do Ministério das Cidades que foi de só liberar dinheiro quando for apresentado o projeto executivo. Estavam liberando o dinheiro com projeto básico. Aí acontece o que aconteceu com a transposição do Rio São Francisco. Era R$ 3 bilhões, já gastaram oito e ninguém sabe como terminar. Isso porque o Governo não tinha projeto.
Isso mostra que o planejamento é fundamental para esse processo, não?
Você conseguiu dinheiro pra corredor exclusivo na avenida Capitão Mor Gouveia, na Prudente de Morais, na Hermes da Fonseca, completar a Bernardo Vieira, etc. Você imagine obras na Prudente de Morais e na Hermes da Fonseca ao mesmo tempo. E durante um ano, porque uma obra como essa dura pelo menos um ano. A cidade fica o caos. Vai mexer em poste, canteiro central, tubos de drenagem, etc. Sem planejamento, não há como fazer.
Vai chegar um ponto em que não adianta ter um carrão do preço que for, porque você não vai conseguir andar. Quando mais desenvolvido o país, menos se usa o carro, principalmente durante a semana. Mas aqui no Brasil conseguiram colocar na cabeça das pessoas que só quem anda de ônibus é quem não tem sucesso na vida. Eu vou dar um exemplo: Barcelona na Espanha e Recife no Brasil. Cidades com mais ou menos o mesmo porte. Em Barcelona, há o dobro de carros que há em Recife. Em Barcelona o estacionamento é absurdamente caro. É mais caro estacionar o carro que que pagar uma diária de hotel. Se você estacionar o carro na rua, em local proibido, a legislação é rígida, eles lacram o carro e se você quebrar o lacre, vai preso. Então, existe uma política para desestimular as pessoas a saírem nos seus carros todos os dias e o resultado é só comparar o trânsito das duas cidades.
A questão cultural - do carro ser um objeto de desejo e símbolo de sucesso - influencia também no problema?
As montadoras, a indústria automobilística, vieram para o Brasil e conseguiram colocar isso na cabeça das pessoas. Parece que ter sucesso na vida é ter um carro. Há pessoas que deixam de comprar uma casa para comprar o carro. Então, ficou essa impressão que o usuário do ônibus é um perdedor, um fracassado. Isso é provincianismo. O principal objeto de desejo e consumo hoje do brasileiro é o carro novo. E o governo brasileiro vem utilizando mais recursos para dar subsídio à indústria automobilística do que para os programas de acabar com a fome. Além disso, você consegue um prazo mais longo pra comprar um carro do que para comprar uma casa.
O senhor acredita que o BRT é uma solução possível para Natal?
Com certeza. O BRT não é nada mais do que corredores exclusivos de ônibus mais elaborados e complexos. Mas é uma das soluções possíveis, porque é mais barato e rápido de implantar. Um dos sistemas mais desenvolvidos do mundo é o de Bogotá. Mas lá eles investem neste tipo de transporte desde 1989.
Seria preciso abrir espaços nas vias, aumentar o tamanho, para implantar o BRT?
Não, não é assim. Você simplesmente diminui o espaço para os veículos particulares. Em todos os lugares do mundo é feito sem abrir novos espaços, mas diminuindo o espaço dos carros. Não há porque fazer cirurgias viárias. É preciso dar prioridade inclusive na quantidade de espaço na via pública para o transporte público.
Existe uma guerra comercial entre modais, mais particularmente entre o BRT (ônibus) e o VLT (trem)?
Existe sim, porém não devemos nos envolver com as disputas comerciais, pois estas só interessam aos produtores de equipamentos e aos empreiteiros. Todos os modais (tecnologias) disponíveis são possíveis de utilização com bons resultados, devendo ser bem avaliado qual o mais adequado para cada caso e para cada momento. É indispensável que sejam analisados alguns pontos: Capacidade do modal X demanda a ser atendida; Custo de implantação X custo operacional; tempo de implantação X impacto ambiental.
Se temos limitações de recursos devemos procurar utilizar modais de mais baixo custo. Tomando como exemplo um corredor que na hora de maior, o movimento tenha 20.000 passageiros/sentido, pode ser atendido por BRT ou VLT, porém o VLT tem um custo de implantação de até 5 vezes maior que o do BRT, tem velocidade menor e um tempo de execução de até 10 vezes maior, segundo estudos apresentados no último congresso a UITP (União Internacional de Transportes Públicos) em 2011 em Dubai. Ver quadro anexo.
Independente do modal de maior capacidade a ser utilizado em um primeiro momento, não inviabiliza a diversificação das tecnologias a serem empregadas, valendo salientar apenas que é indispensável a utilização de ônibus convencionais, com prioridade em faixas ou vias exclusivas, para atender os corredores secundários, as áreas de menor demanda, além de promover a integração entre os modais e alimentar os sistemas troncais de maior capacidade
Como temos grande déficit de investimentos é mais prudente priorizar os modais de menor custo e de mais rápida implantação.
Quais as principais ferramentas para se fazer uma mudança na mobilidade urbana de uma cidade?
Capacitação e treinamento da equipe técnica, estruturação do órgão de gerência (Semob) para possibilitar a utilização dos recursos tecnológicos disponíveis, elaboração de projetos integrados de curto, médio e longo prazo. E o principal: Decisão de priorizar a mobilidade urbana como política pública e não fazer politicagem com a mobilidade urbana.
Em relação a restringir o espaço dos veículos particulares, isso não causa um desgaste político? Os gestores têm receio de fazer uma mudança que pode não ser bem recebida pelos eleitores?
Olhe, o Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, é referência no mundo. Jaime Lerner, outro que implementou o modelo, também é referência e foi prefeito e governador várias vezes. Mas vou dar um exemplo mais próximo. O prefeito João Paulo, de Recife, aplicou um verdadeiro choque de gestão na cidade. Proibiu combes, disciplinou, etc. Enquanto uns achavam que ele seria hostilizado, teve grande aprovação e foi reeleito.
Fonte: Tribuna do Norte
O senhor coordenou a primeira equipe que fez um plano de mobilidade em Natal. De lá pra cá, o trânsito e a mobilidade pioraram. Por que isso aconteceu, na sua opinião?
Se você observar Natal de 2000 a 2010, a população cresceu pouco mais de 10%. O que dá cerca de 1% ao ano. A frota de veículos em contrapartida cresceu mais de 60%. Ou seja, uma média de 6% ao ano. Só que de carros foi 54% e de motos chegou perto de 400%. Então, isso torna a situação difícil. Não tem como caber.
Eu fiz um cálculo em Salvador e pode ser feito em Natal. A população cresceu 8%. O número de passageiros pagantes cresceu 10%. A frota total de carros cresceu 100% e de motos 395%. Em Maceió, aconteceu algo semelhante. E podemos trazer esse exemplo para Natal.
Agora, voltando para a realidade potiguar, o que se fez em Natal neste mesmo período em termos de planejamento e obras? Quase nada. Então, não tem como dar certo, não tem como caber. E olha que Natal tem um dado a favor. Se você for dividir o número de pessoas pelo de automóveis, o resultado dá em torno de 0,36 veículos por pessoa. Como a economia está crescendo e a venda de carros é o que puxa em grande parte isso, esse número ainda é muito baixo. Em Curitiba, o mesmo índice é 0,40. Ou seja, há muito espaço para piorar. Há muito espaço para piorar.
A venda de carros ainda é uma prioridade para o país.
A indústria automobilística é muito importante para o Brasil e está em expansão. Queira ou não queira, cerca de 24% do PIB brasileiro vem desta indústria. Se ela parar ou diminuir o ritmo, como é que fica? Trata-se de um emaranhado grande.
As pessoas podem passar a usar o carro só no fim de semana?
Sim, mas no meio da semana as pessoas irão trabalhar como? Tem que investir em transporte coletivo. O PAC Copa do Mundo colocou R$ 12 bilhões e só para Natal R$ 400 milhões em mobilidade. Quanto deste dinheiro foi efetivamente utilizado? Zero. Desde 2009 está para ser feito. Esta é a questão. O problema é planejamento, é ter projeto. Eu só faço isso se eu tiver gestão. Eu só tenho gestão se eu tiver equipe capacitada. Então, tem que começar daqui, da capacitação das equipes. Falta muito para chegarmos à estaca zero.
O que é certo é que não se resolve midiaticamente. Não se resolve indo para um palanque e dizendo: vou fazer isso, vou fazer aquilo. Não adianta dizer que vai fazer um corredor de ônibus se não souber: quem vai passar por lá, quem vai controlar, quem vai fiscalizar. E ainda tivemos recentemente uma decisão muito boa do Ministério das Cidades que foi de só liberar dinheiro quando for apresentado o projeto executivo. Estavam liberando o dinheiro com projeto básico. Aí acontece o que aconteceu com a transposição do Rio São Francisco. Era R$ 3 bilhões, já gastaram oito e ninguém sabe como terminar. Isso porque o Governo não tinha projeto.
Isso mostra que o planejamento é fundamental para esse processo, não?
Você conseguiu dinheiro pra corredor exclusivo na avenida Capitão Mor Gouveia, na Prudente de Morais, na Hermes da Fonseca, completar a Bernardo Vieira, etc. Você imagine obras na Prudente de Morais e na Hermes da Fonseca ao mesmo tempo. E durante um ano, porque uma obra como essa dura pelo menos um ano. A cidade fica o caos. Vai mexer em poste, canteiro central, tubos de drenagem, etc. Sem planejamento, não há como fazer.
Vai chegar um ponto em que não adianta ter um carrão do preço que for, porque você não vai conseguir andar. Quando mais desenvolvido o país, menos se usa o carro, principalmente durante a semana. Mas aqui no Brasil conseguiram colocar na cabeça das pessoas que só quem anda de ônibus é quem não tem sucesso na vida. Eu vou dar um exemplo: Barcelona na Espanha e Recife no Brasil. Cidades com mais ou menos o mesmo porte. Em Barcelona, há o dobro de carros que há em Recife. Em Barcelona o estacionamento é absurdamente caro. É mais caro estacionar o carro que que pagar uma diária de hotel. Se você estacionar o carro na rua, em local proibido, a legislação é rígida, eles lacram o carro e se você quebrar o lacre, vai preso. Então, existe uma política para desestimular as pessoas a saírem nos seus carros todos os dias e o resultado é só comparar o trânsito das duas cidades.
A questão cultural - do carro ser um objeto de desejo e símbolo de sucesso - influencia também no problema?
As montadoras, a indústria automobilística, vieram para o Brasil e conseguiram colocar isso na cabeça das pessoas. Parece que ter sucesso na vida é ter um carro. Há pessoas que deixam de comprar uma casa para comprar o carro. Então, ficou essa impressão que o usuário do ônibus é um perdedor, um fracassado. Isso é provincianismo. O principal objeto de desejo e consumo hoje do brasileiro é o carro novo. E o governo brasileiro vem utilizando mais recursos para dar subsídio à indústria automobilística do que para os programas de acabar com a fome. Além disso, você consegue um prazo mais longo pra comprar um carro do que para comprar uma casa.
O senhor acredita que o BRT é uma solução possível para Natal?
Com certeza. O BRT não é nada mais do que corredores exclusivos de ônibus mais elaborados e complexos. Mas é uma das soluções possíveis, porque é mais barato e rápido de implantar. Um dos sistemas mais desenvolvidos do mundo é o de Bogotá. Mas lá eles investem neste tipo de transporte desde 1989.
Seria preciso abrir espaços nas vias, aumentar o tamanho, para implantar o BRT?
Não, não é assim. Você simplesmente diminui o espaço para os veículos particulares. Em todos os lugares do mundo é feito sem abrir novos espaços, mas diminuindo o espaço dos carros. Não há porque fazer cirurgias viárias. É preciso dar prioridade inclusive na quantidade de espaço na via pública para o transporte público.
Existe uma guerra comercial entre modais, mais particularmente entre o BRT (ônibus) e o VLT (trem)?
Existe sim, porém não devemos nos envolver com as disputas comerciais, pois estas só interessam aos produtores de equipamentos e aos empreiteiros. Todos os modais (tecnologias) disponíveis são possíveis de utilização com bons resultados, devendo ser bem avaliado qual o mais adequado para cada caso e para cada momento. É indispensável que sejam analisados alguns pontos: Capacidade do modal X demanda a ser atendida; Custo de implantação X custo operacional; tempo de implantação X impacto ambiental.
Se temos limitações de recursos devemos procurar utilizar modais de mais baixo custo. Tomando como exemplo um corredor que na hora de maior, o movimento tenha 20.000 passageiros/sentido, pode ser atendido por BRT ou VLT, porém o VLT tem um custo de implantação de até 5 vezes maior que o do BRT, tem velocidade menor e um tempo de execução de até 10 vezes maior, segundo estudos apresentados no último congresso a UITP (União Internacional de Transportes Públicos) em 2011 em Dubai. Ver quadro anexo.
Independente do modal de maior capacidade a ser utilizado em um primeiro momento, não inviabiliza a diversificação das tecnologias a serem empregadas, valendo salientar apenas que é indispensável a utilização de ônibus convencionais, com prioridade em faixas ou vias exclusivas, para atender os corredores secundários, as áreas de menor demanda, além de promover a integração entre os modais e alimentar os sistemas troncais de maior capacidade
Como temos grande déficit de investimentos é mais prudente priorizar os modais de menor custo e de mais rápida implantação.
Quais as principais ferramentas para se fazer uma mudança na mobilidade urbana de uma cidade?
Capacitação e treinamento da equipe técnica, estruturação do órgão de gerência (Semob) para possibilitar a utilização dos recursos tecnológicos disponíveis, elaboração de projetos integrados de curto, médio e longo prazo. E o principal: Decisão de priorizar a mobilidade urbana como política pública e não fazer politicagem com a mobilidade urbana.
Em relação a restringir o espaço dos veículos particulares, isso não causa um desgaste político? Os gestores têm receio de fazer uma mudança que pode não ser bem recebida pelos eleitores?
Olhe, o Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, é referência no mundo. Jaime Lerner, outro que implementou o modelo, também é referência e foi prefeito e governador várias vezes. Mas vou dar um exemplo mais próximo. O prefeito João Paulo, de Recife, aplicou um verdadeiro choque de gestão na cidade. Proibiu combes, disciplinou, etc. Enquanto uns achavam que ele seria hostilizado, teve grande aprovação e foi reeleito.
Fonte: Tribuna do Norte
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