"Transporte de massa não é solução"

A solução para conciliar o crescimento da cidade e a mobilidade para o arquiteto suíço-canadense Luc Trottier, da Universidade de Laval, Quebec-Canadá, está em "'desdensificar' as cidades, enquanto a população está aumentando". Termo usado para a expansão do território urbano com melhor partilha e uso dos espaços. Especialista em arquitetura sustentável e controle bioclimático, Trottier Esteve ontem em Natal, para participar do Seminário "Densidade e Mobilidade Urbana", promovido pelo Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da UFRN, onde apresentou o projeto da cidade de Louvain-La-Neuve, na Bélgica, que se aproxima do conceito de mobilidade sustentável. Confira a entrevista:

Foto de: Alex Régis

Como conciliar o adensamento e a mobilidade urbana?

A densidade urbana acontece em redor de um núcleo de serviços, onde as pessoas se reúnem. Infelizmente a modernização se deu em direção do carro, porque a sociedade atual acentua o lado individual das pessoas em detrimento do coletivo. Isso multiplicou os espaços dos carros nas cidades e reduziu para os pedestres. É preciso 'desdensificar' das cidades, enquanto a população está aumentando, ou seja, expandir o território urbano com melhor partilha e uso dos espaços.

A cidade de Louvain-La-Neuve, na Bélgica, seria um exemplo dessa desdensificação?

Louvain-La-Neuve é uma cidade construída há 40 anos para abrigar uma universidade. Mas ao invés de um campus, o governo belga decidiu criar uma nova cidade - com o mesmo princípio urbanístico de Brasília. Entretanto, as pessoas decidiram construir percursos para pedestres, obrigaram os edifícios a serem próximos. Tudo isso garantiu uma cidade densa e com curtas distâncias. A diferença com Brasília, é que Brasília é uma cidade nova criada para os carros, enquanto Louvain-La-Neuve é uma cidade nova para os pedestres.

Como o modelo funciona?

Lá há uma relação de construção de espaços públicos em equílibrio entre as pessoas e os veículos. Quase 50% de Louvain-La-Neuve é área verde, 25% de edificações, 25% de ruas. Essa última é dividida em 12% para os pedestres, 12% para a circulação de carros e 1% para os trens. Claro que esta é uma cidade bem pequena. Ainda há muita pesquisa a fazer. Mas o modelo pode ser reproduzido, caso vá se criar uma cidade ou ainda se estar buscando uma espécie de ponto neutro, entre a vegetação, a rua, os prédios e os carros isso também. Grandes centros, como Londres e países escandinavos, também conseguiram tirar os carros particulares. Um sistema de pedágio foi instalado e as pessoas não podem passar de carro. Então, o centro urbano acaba sendo atendido por transporte público.

Fala-se muito em investir em transporte público de massa como solução.

É uma alternativa muito viável. Mas não é a solução. O transporte coletivo não acabaria com o problema de mobilidade. É preciso também limitar o número de estacionamentos. E se o carro não pode ir até determinados lugares é preciso que o poder público invista em transporte coletivo. É necessário ainda ter bairros com edifícios mais baixos e diversificados, que permitem as pessoas viver, trabalhar e fazer compras no mesmo lugar, o que aumenta o tempo de atividade pessoal de cada um. Deixar de lado o carro, em qualquer tipo de família, pode aumentar o poder aquisitivo até 25%.

O senhor defende uma cidade sem carros. É possível, se há interesses econômicos?

Uma sociedade sustentável, pode ter o mesmo número de pessoas trabalhando em outros setores, como a tecnologia ferroviária, construção civil.

Que intervenções devem ser feitas para melhorar o trânsito de forma sustentável?

O caminho são os transportes leves e os de linhas férreas, quando implantados em espaço público tira por si só os carros. O transporte ferroviário demanda alto investimento na fase inicial, mas são mais econômicos a longo prazo. As vias férreas são construídas para durar 50 anos. E os setores imobiliário, de infraestrutra, se interessam em investir ao longo dessas vias. As cidades que adotam o metrô, por exemplo, em 10 a 20 anos tem a densidade distribuída aí. É uma relação onde o poder público deve pagar pelo transporte público e o privado em construir.

No Brasil, o transporte é feito prioritariamente de forma rodoviária. Quase não há uso da estrutura férrea. Deve se rever o modelo de transporte?

Se já existem os ônibus, o meio mais simples é fazer com que eles circulem em corredores reservados. O que geral é bem eficaz quanto a pontualidade e atendimento do transporte. Se queremos fazer com que as pessoas usem mais o transporte coletivo, tem que reduzir o espaço do carro. Delimitar a área do ônibus e ao mesmo tempo aumentar o espaço para os carros não resolve.

Para a Copa do Mundo há previsão de investimentos na ordem de R$ 600 milhões em obras de mobilidade em Natal, para melhorar a área para os carros.

Em um país em desenvolvimento é importante criar novas estradas é fator do desenvolvimento, mas é preciso ver essas estradas não como um investimento, mas como um gasto a longo prazo que só faz aumentar. No transporte público ocorre o inverso, muito investimento no início e pouco gasto de manutenção.

Investir em construção e ampliação de vias rodoviárias, então faz o caminho inverso?

Em todo mundo é assim. As ruas são vistas como uma espécie de funil, quando estão impedidas se constrói, o fluxo é redimensionado quando chega ao limite. O que ocorre é que as três pessoas que criam os espaços para as pessoas viverem, pensam de forma isolada. O urbanista se interessa apenas pelas cidade e não pensa nas ruas, que fica à cargo do engenheiro, enquanto o arquiteto se volta para os prédios e não para a relação com os bairros.

Há como definir esse equilíbrio nos transportes e territórios como um modelo ideal?

Em geral, as cidades tem em média 35% do território destinado aos transportes - estradas, grandes rodovias, estacionamentos - que é usado só pelos carros. Acredito que esses 35% deveriam ser divididos, ficando de 10 a 12% para os carros, o mesmo para os transportes de uso em comum e pelos pedestres, e ainda sobrariam 10% que poderia ser ocupados para praças públicas, parques, áreas verdes.

Fonte: Tribuna do Norte