Clandestinos, mas com endereço certo

Ricardo Araújo
Repórter da Tribuna do Norte

A possibilidade de serem multados e terem os veículos apreendidos, não inibe os loteiros que circulam livremente pelas rodovias estaduais e federais que cortam o Rio Grande do Norte. Transportando cerca de 40 mil pessoas mensalmente, segundo dados da Associação dos Condutores de Transporte Alternativo e Complementar (ATAC RN), o serviço se mostrou uma saída rentável principalmente para homens entre 35 e 50 anos, que estavam fora do mercado de trabalho até decidirem transformar carros e vans em meios de transporte clandestinos.

Adriano Abrel
Na contramão da multiplicação dos veículos de lotação, estão as empresas de transporte intermunicipal que encolhem a cada dia. Com menos linhas circulando, elas amargam o dissabor da redução de passageiros e da própria frota. Em um ano, três empresas de ônibus faliram no Estado. Da zona Norte a zona Sul, é possível encontrar veículos pegando passageiros, seja porta a porta ou em locais fixos. Na zona Norte, o ponto mais famoso é o da "Mangueira" que fica próximo ao gancho de Igapó.

De lá, partem carros particulares, taxis e minivans com destino, principalmente, as cidades do litoral Norte. Os taxis com placas de Maxaranguape aparecem em maior quantidade no ponto. O custo da viagem - o mesmo cobrado por todos os taxistas cadastrados na prefeitura do município - até Barra de Maxaranguape é de R$ 8,00. "Eu geralmente faço duas viagens por dia. Vou e volto com passageiros. De novembro a março o fluxo de aumenta e faço mais viagens", disse o taxista Josivan Aleixo. Ele é portador de uma permissão concedida pela Secretaria de Transportes de Maxaranguape. Um dos poucos, quando comparado às dezenas de irregulares.

Há também os que fazem o serviço por conta própria, sem permissão municipal. É o caso de Alex Santos, que decidiu fazer transporte ilegal depois que ficou desempregado. De Natal para Serrinha, cidade próxima a São Gonçalo do Amarante, ele cobra R$ 5,00. "Faz pouco tempo que eu comecei. Dirijo por conta própria. Faço uma média de quatro viagens por dia", comentou. Taxistas e loteiros chegam a disputar passageiros e discutem entre si. Foi o que afirmou Carlos Miguel, concessionário de uma placa de taxi de São Gonçalo do Amarante. "A situação é complicada", resumiu.

Para a doméstica Maria de Fátima Otaviano, que mora em Parazinho e trabalha em Natal, a escolha de lotações se dá pela demora dos ônibus regulares e pela comodidade dos veículos de pequeno porte. "Eu reconheço que é arriscado. Mas o carro nos pega na porta de casa e nos deixa no destino final. Pelas rodovias, é difícil encontrarmos fiscalização", afirmou Maria de Fátima. Pelo trecho compreendido entre o gancho de Igapó e Parazinho, ela paga R$ 25. Um pouco mais caro do que pagaria numa linha regular.

O comentário da usuária é confirmado pelo loteiro João Maria Amaro que há 10 anos transporta passageiros entre Natal e Ceará-Mirim. "Na estrada não tem fiscalização. Se tivesse, acabava com o nosso trabalho. Aqui na Mangueira, por exemplo, não existe fiscalização". Para ele, uma das principais causas do aumento de veículos clandestinos, é a falta de oportunidades no mercado de trabalho formal para os homens mais velhos.

TJ estipula multa por falta de fiscais

O Setrans moveu uma ação contra o DER ainda em 2002, cobrando mais fiscalização no transporte de passageiros no estado, evitando os clandestinos. O processo nº 001.02.012571-3 está na 5ª Vara da Fazenda Pública. Hoje, às 9 horas será realizada uma audiência de conciliação no Fórum Seabra Fagundes, na 3ª Vara da Fazenda Pública. O mérito foi julgado em março de 2008, estabelecendo uma multa diária e pessoal ao diretor do DER de R$ 5.000,00. O Tribunal de Justiça Estadual confirmou a sentença. O Governo do Estado entrou com dois recursos junto ao Superior Tribunal de Justiça, que nem chegou a julgar o mérito do processo. Falta o julgamento do Supremo Tribunal Federal. O advogado do Setrans, Cristiano Barros, acredita que o Supremo não irá julgar o mérito, assim como fez o Superior Tribunal de Justiça.

Com 45 fiscais por turno atuando nas estradas e nos pontos potenciais de transporte clandestino de passageiros, o Departamento de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Norte (DER RN), reconhece que o número de profissionais está aquém do devido. Com o intuito de ampliar o campo de fiscalização, o Departamento firmou parceiras com órgãos municipais e estaduais, como a Polícia Militar, para garantir o patrulhamento do maior número de pontos e rodovias possíveis. "Infelizmente, a gente precisa ir melhorando aos poucos. A gente precisa e conta com a ajuda de outras entidades para o serviço surtir efeito", afirmou a diretora de transportes do DER, Francini Goldoni. De acordo com ela, o Departamento atua no sentido de permitir que o transporte legal atenda todo o RN.

O diretor técnico do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Rio Grande do Norte (Setrans RN), Amâncio Santos Filho, discorda da assertiva da diretora. Para ele, o órgão não fiscaliza a rigor, o que contribui para a ação dos loteiros clandestinos. "Nós encaminhamos diversos ofícios ao DER e não obtivemos resposta. A fiscalização que existe é ineficiente", ressaltou. Do outro lado, Francini Goldoni afirma que se reúne periodicamente com representantes do Sindicato. "O argumento do Setrans não cabe neste momento. Estamos sempre em contato".

De acordo com Amâncio, 17 linhas de ônibus saíram de circulação em um ano. Além da queda no número de rotas disponíveis, empresas como a Viação Barros reduziu a frota de ônibus de 40 para 18 em menos de 30 anos. "Não há como investir em uma nova frota. Seriam necessários R$ 44 milhões inicialmente. O lucro das empresas hoje é tão baixo que não permite um investimento deste porte", alegou.

Para ele, uma das ações do Governo Estadual que surtiu efeito em 2009, poderia ser retomada. "A Operação Transporte Legal, desencadeada em setembro de 2009, que durou só três dias, poderia ser posta em prática novamente". Durante a operação, ele disse que a procura pelos ônibus regulares cresceu em 50%. Questionado sobre a vigência da operação ter se resumido a três dias, ele afirmou que é o mesmo questionamento que se faz até hoje.

Regularização

O presidente da Associação dos Condutores de Transporte Alternativo e Complementar (ATAC RN), Anderson Araújo, afirmou que o objetivo da ATAC não é impedir ou contribuir para o fechamento das empresas de ônibus. "Estamos abertos ao diálogo com o Setrans. Não defendemos o fim das empresas. Elas devem permanecer no mercado prestando um bom serviço à população, assim como nós fazemos", alegou.

Ontem, Anderson esteve reunido com o secretário chefe do Gabinete Civil do Estado, Paulo de Tarso Fernandes, discutindo a viabilidade de implementação do Projeto Transporte Alternativo Complementar protocolado no Gabinete no início do ano passado. De acordo com Anderson, o representante do Executivo Estadual sinalizou positivamente para a implantação do projeto, mas não definiu datas. "O secretário afirmou que o projeto tem legalidade e está analisando a documentação entregue."

Anderson disse que os loteiros querem ser legalizados assim como foram os bugueiros em Genipabu e as vans que fazem transporte alternativo em Natal. "Nós queremos pagar impostos, formalizar nosso serviço, transportar idosos e estudantes", garantiu. Além disso, defendeu que o Governo Estadual deveria conceder incentivos fiscais, assim como faz com os taxistas, para renovação periódica da frota.

Questionado se os loteiros tomaram uma fatia do mercado que pertencia às empresas regulares, ele é conciso. "Nós não tomamos nenhuma fatia de mercado. A população nos escolheu por insatisfação em relação ao transporte regular. É uma insatisfação generalizada", destacou. Anderson defende que o projeto é uma forma de reduzir um problema social, que é a falta de emprego regular no Rio Grande do Norte.

Fonte: Tribuna do Norte